Biografia

Vladimir Herzog, nomeado originalmente como Vlado Herzog, nasceu em Osijek (ex-Iugoslávia, atual Croácia), em 27 de junho de 1937, filho de Zigmund e Zora Herzog. Seu pai possuía uma loja de porcelanas em Banja Luka, localidade em que a família residiu até agosto de 1941, quando o exército nazista ocupou a cidade e a população judia foi privada de casas e bens.

Os Herzog partem então em direção à Itália: primeiro, instalam-se em Fonzaso, até o final de 1943; depois, deslocam-se para Fermo; por último, fixam-se em Magliano di Tenna, até a chegada dos aliados no segundo semestre de 1944. Permanecem, então, quase dois anos num campo de refugiados em Bari, para, em fins de 1946, abandonarem definitivamente a Europa pelo Brasil. A chegada ao Rio de Janeiro se dá em 24 de dezembro.

Entre 1949 e 1952, Vladimir Herzog faz os estudos ginasiais no Colégio Estadual Presidente Roosevelt, em São Paulo. Ingressa, em seguida, no Curso Científico, mas desiste. Emprega-se por um curto intervalo na Fotóptica, mas não se adapta ao serviço que lhe atribuem. Acaba arranjando trabalho em meio período no Banco Artur Scatena, ao mesmo tempo que inicia estudos de teatro no Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro. Já estamos em 1955, e, neste ano e no seguinte, quando retomará a educação formal no Curso Clássico do Colégio Estadual de São Paulo, Herzog se associa a dois grupos de teatro amadores, “Muse Italiche” e “I Guitti” (“os mambembes, os saltimbancos”), e atua em encenações de peças italianas. No segundo deles, divide ensaios e apresentações com a atriz Lélia Abramo.

A conclusão do Curso Clássico o levará à Faculdade de Filosofia na Universidade de São Paulo. É na USP, anos mais tarde, que Vladimir Herzog conhecerá a futura esposa, Clarice Ribeiro Chaves. Em 1959, é admitido como repórter em O Estado de S. Paulo. Entre as coberturas e matérias importantes de que participa estão a inauguração de Brasília, em abril de 1960, a visita de Jean-Paul Sartre ao Brasil, em setembro do mesmo ano, e a posse de Jânio Quadros, em fevereiro de 1961. A viagem para cobrir o Festival de Mar del Plata, de 1962, será, provavelmente, o impulso que faltava para direcioná-lo à crítica de cinema e ao jornalismo cultural.

O envolvimento mais consequente com a esfera cinematográfica, aliás, acontece nesse mesmo início da década de 1960, sobretudo pela aproximação com a Cinemateca Brasileira. Ao estabelecer contato e convívio com colaboradores e frequentadores dessa instituição – Rudá de Andrade, Paulo Emílio Salles Gomes, Jean-Claude Bernardet, Maurice Capovilla, Lucila Ribeiro, Roberto Santos etc. –, Herzog passa a contribuir diretamente para a execução de atividades voltadas à difusão cinematográfica – apoio a cineclubes, organização de mostras e cursos etc. Torna-se, assim, mesmo de forma não oficial, uma peça de importância dentro da casa. É nessa condição que será enviado, no final de 1962, junto com Lucila Ribeiro, para o Seminário Arne Sucksdorff, no Rio de Janeiro e, pouco depois, em julho de 1963, ao lado de Maurice Capovilla, para um estágio no Instituto de Cinematografia da Universidad del Litoral, em Santa Fé, na Argentina. Da primeira experiência resultará a produção de sua primeira e única obra cinematográfica – o documentário em curta-metragem Marimbás ; da segunda, uma longa amizade com o cineasta argentino Fernando Birri. Nesse mesmo ano de 1963, Vladimir Herzog também terá uma breve e pouco documentada passagem pela TV Excelsior, a convite de Fernando Pacheco Jordão.

Em 15 de fevereiro de 1964, casa-se com Clarice. Após o golpe militar de abril e devido à mudança de atmosfera dele decorrente, deixa O Estado de S. Paulo. Entre 1964 e 1965, Herzog está comprometido com o grupo de cineastas que se formou ao redor de Thomaz Farkas, um fotógrafo que decidiu financiar a filmagem de documentários brasileiros. Nesse período é posta em marcha a realização simultânea de quatro filmes: Subterrâneos do futebol, Memórias do cangaço, Nossa escola de samba e Viramundo, dirigidos por Maurice Capovilla, Paulo Gil Soares, Manuel Horácio Gimenez e Geraldo Sarno, respectivamente. Vladimir Herzog colabora diretamente em duas dessas obras: em Subterrâneos do futebol, na condição de chefe de produção, e em Viramundo, na captação do som direto.

Em 1965, no entanto, Vladimir Herzog permanece desempregado e resolve viajar ao Chile na tentativa de alavancar um projeto de documentário sobre o método de alfabetização de Paulo Freire. Esse plano fracassa, mas logo em seguida surge a oportunidade de um emprego no Serviço Brasileiro da Rádio BBC de Londres, onde já estavam Nemércio Nogueira e Fernando Pacheco Jordão. Herzog parte em julho, e, até 1968, quando vence o seu contrato na BBC, divide seu tempo com o trabalho na BBC e na Divisão Latino-Americana do Central Office of Information do governo britânico, com a escrita e o envio de matérias sobre temas londrinos para a revista Visão, com esforços para a divulgação do cinema brasileiro na Europa (incluindo participações em festivais), e com passeios e excursões pela Grã-Bretanha e pelo continente. No âmbito das suas ações para promover o cinema brasileiro, sobressaem a ida ao Festival de Florença, em fevereiro de 1966, onde apresenta, junto com Sérgio Muniz, a conferência “Il documentario sociale brasiliano: sue origini e sue tendenze”; e a presença no Festival de Mannheim, em outubro de 1966, onde fez exibir para o público Viramundo, de Geraldo Sarno. Na esfera pessoal, a temporada de Londres compreendeu o nascimento de seus dois filhos – Ivo, em agosto de 1966, e André, em abril de 1968 – e, dentre as não poucas excursões de férias, lhe rendeu uma viagem de um mês com Clarice pela Bélgica, Alemanha, França, Suíça, Itália e Iugoslávia, na qual, para além das visitas a lugares turísticos, reviu localidades em que passara a infância – Magliano di Tenna, Fermo e Fonzaso, na Itália; Banja Luka e Osijek, na Iugoslávia. É ainda na etapa final desse período londrino que Vladimir Herzog conseguirá realizar um curso de produção televisa na própria BBC, fato que o predisporá ao trabalho no jornalismo televisivo (em especial, em TVs educativas) e viabilizará o seu ingresso tardio na TV Cultura, em 1973.

Em janeiro de 1969, na esteira da promulgação do AI-5, Vladimir Herzog regressa ao Brasil e, ao contrário de suas expectativas profissionais de atuar na área de TV educativa, só obtém uma posição na agência de publicidade J. Walter Thompson, produzindo comerciais televisivos. Permanece no emprego durante um ano, até que é chamado para trabalhar na revista Visão, onde assume em pouco tempo o cargo de editor de cultura. Ladeado por colegas e colaboradores de peso, como Zuenir Ventura, Herzog produzirá, até o início de 1975, grandes matérias sobre teatro, cinema, educação e televisão, das quais a mais emblemática é “A crise da cultura brasileira”, em que ele e Zuenir empreendem um balanço do cenário cultural brasileiro pós-1964 e propõem o conceito de “vazio cultural”.

Em 1970, Herzog tem uma passagem rápida pela TV Universitária da Universidade Federal de Pernambuco, mas, aparentemente, desiste do projeto por não encontrar à disposição uma estrutura de trabalho adequada. Entre 1970 e 1971, convidado por Perseu Abramo, leciona no curso de jornalismo da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado) em conjunto com outros jornalistas como Marco Antonio Rocha e Rodolfo Konder. O grupo, no entanto, é dissolvido em função do ambiente político hostil.

A previamente cobiçada vaga na TV Cultura será obtida em 1973, quando Vladimir Herzog é convocado por Fernando Pacheco Jordão para coordenar a redação do jornal Hora da Notícia. Capitaneado por Jordão e amparado por profissionais de qualidade como o cineasta João Batista de Andrade, Herzog dá ao telejornal uma faceta diferenciada em relação ao jornalismo televisivo vigente, procurando fugir à simples veiculação de propagandas do governo militar, ao abordar temas não tratados por outras emissoras e imprimir uma ótica que privilegiava a busca pela verdade social dos fatos. Com a demissão de Fernando Pacheco Jordão, Herzog também deixa o cargo, no final de 1974.

Ao abandonar a Visão, em princípio de 1975, Vladimir Herzog se vê novamente desempregado. Nesse instante de sua vida, parece estar às voltas com dois projetos cinematográficos: a preparação de um documentário televisivo sobre Antônio Conselheiro, pretexto que o leva a visitar a região de Canudos, na Bahia, em fevereiro, de onde traz mais de duas centenas de fotografias; e, a pedido de João Batista de Andrade, a escrita de um roteiro para a adaptação do romance Doramundo, de Geraldo Ferraz, que o conduz a Paranapiacaba, em São Paulo, a fim de realizar levantamento de dados. Nesse meio tempo, tem uma passagem relâmpago pelo jornal Opinião e viaja com Clarice aos Estados Unidos.

O cinema ficará para depois, contudo. Em agosto é convidado a ministrar uma disciplina na Escola de Comunicação e Artes da USP. E, em setembro, é contratado para dirigir o departamento de jornalismo da TV Cultura. Vladimir Herzog retorna à TV Cultura cheio de planos para reestruturar os programas jornalísticos do canal educativo, mas a perseguição ideológica daqueles alinhados ao governo militar tem início mal ele coloca novamente os pés na emissora. Acusam a TV Cultura de estar tomada por comunistas. Na sequência de uma série de prisões de jornalistas, Herzog é intimado a depor no DOI-Codi, órgão de inteligência e repressão do Exército. Apresenta-se voluntariamente na manhã de 25 de outubro de 1975. Lá, antes do dia terminar, será torturado e assassinado.