Do período em que ingressou no curso de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e o frequentou, entre 1958 e 1962, Vladimir Herzog (e, mais tarde, sua família) preservou alguns documentos oficiais: a ficha de inscrição no processo seletivo, o histórico escolar e o atestado de conclusão. Não se conhecem, entretanto, comentários ou relatos do próprio Vlado sobre as aulas, os professores ou o ambiente. A história da passagem de Herzog pelos bancos universitários destila-se de depoimentos de amigos.
De Luiz Weis emana a lembrança de como se deu a sua entrada e a de Vladimir Herzog no curso de Filosofia da USP:
[...] eu tive um professor de Filosofia [...]. Ele chamava Mário [...]; chamava Mário Leônidas Casanova, trabalhava, era filósofo, era professor de Filosofia formado pela USP, a paixão dele era samba e ele escrevia sobre isso, ele trabalhava no [jornal] Estado de S. Paulo. Este cidadão foi responsável por duas coisas em minha vida e na vida do Vlado. Fomos os dois fazer Filosofia – havia uma diferença de um ou dois anos, ele estava um ano na minha frente.
Foi na USP, por exemplo, que Nilce Tranjan conheceu Vladimir Herzog:
A sensação que eu tenho é que o Vlado já estava na faculdade quando eu entrei. Ele não fazia todas as matérias certinhas do ano. [...] para mim, o Vlado, de repente, está dentro da faculdade. E de repente a gente tem algumas aulas juntos e outras, não. Eu não tinha todas as aulas com o Vlado. Eu tinha algumas aulas com o Vlado. Mas no fora da aula, que também era muito importante, o bar da Maria Antônia lá em frente, que a gente ia e conversava, as coisas que iam sucedendo.
E das memórias de Nilce surge uma imagem curiosa do modo como Vlado trabalhava nesse grupo:
Eu me lembro que, naquela época, a gente ia estudar em casa [...]. Mas então a gente ia estudar lá em casa, porque era quem tinha aquele espaço isolado, podia fechar a porta, e a gente dividia as tarefas: você estuda tal coisa, você estuda tal coisa e a gente ia para a minha casa uma ou duas vezes por semana e cada um ia expor o que tinha estudado, os outros faziam perguntas, depois o outro expunha, e era assim. Vlado chegava em casa, todo mundo se acomodava na poltrona, no sofá, e ele deitava no chão. E fechava o olho. Ficava lá de olho fechado, no chão. E minha mãe, de vez em quando, ia trazer um café, uma coisa assim, e minha mãe perguntava: “Mas esse rapaz está estudando? Ele está sempre dormindo”. Não estava dormindo, absolutamente. Mas era uma atitude de... no chão, estendido, de olho fechado. Agora, quando vinha a pergunta, vinha a pergunta certeira; quando ele expunha, vinha a exposição certeira. Ele sempre surpreendia, porque ele estava além do que aquela coisinha frágil que ele era, [ou] parecia. Ele estava sempre mais além.
Também na USP Vladimir Herzog conheceu Clarice Ribeiro Chaves, sua futura esposa, e ela conta como foi: “E uma vez eu estava na USP vendendo livros [...]. Aí apareceu o Vlado. ‘O que você está fazendo?’ ‘Estou vendendo.’ A gente não se conhecia direito. Não, não se conhecia: se conheceu lá”.
Estritamente, a formação em Filosofia, para além da paixão da sua vida, não dará um ganha-pão a Vladimir Herzog. Ainda na faculdade, ele se vinculará a O Estado de S. Paulo e fincará, a partir daí, os pés no jornalismo e no cinema, principalmente. A rigor, é impossível aquilatar a influência desse curso nos escritos e nos projetos profissionais e pessoais de Herzog. Mas não será improcedente supor que as aulas, estudos e leituras nessa área ajudaram a compor seu modo de pensar e seus ideais.