Acervo Vladimir Herzog
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    A modéstia era uma das virtudes de Vlado, afirma Zora Herzog em carta de 1978 ao juiz Marcio José de Morais, a quem expressa sua dor sem fim pelo desaparecimento do filho e a gratidão por oferecer uma possibilidade de justiça aos que sofrem. A modéstia do jornalista, avesso à notoriedade, integra o sentido de outridade e o caráter de Vladimir Herzog: sua preocupação central era comunicar a importância ética da arte e da política. E, significativamente, essa virtude de não sobrepor a vaidade a tudo se combinava com uma prática jornalística do tempo em que ele trabalhou em O Estado de S. Paulo, anos 1959 a 1963: era usual a publicação de artigos sem assinatura, com uma indicação genérica do autor ou dos autores responsáveis pela reportagem, como “Do enviado especial”, “Dos enviados especiais”, “Da sucursal”.

    Dada essa particularidade, ao consultar o Acervo Vladimir Herzog, o leitor dos textos dele publicados no Estadão notará que em muitos a indicação da autoria é “Do enviado especial”, e aparecem as variantes: Vladimir, Wladimir e Vlado, seu nome originalmente, antes de se naturalizar brasileiro. A lista dos artigos se constituiu com base na pesquisa realizada no Acervo Estadão on-line, complementada pela agência Estado, que resgatou de seus registros os textos do “enviado especial” que contaram com a autoria de Herzog. Em particular, nas transcriçõe incluídas aqui no Acervo, a referência final dos textos é sempre Vladimir Herzog.

    É interessante saber que o teatro e os estudos de Filosofia estiveram no caminho para seu trabalho como jornalista: bem jovem, com o nome Aldo ou Valdo Erzi, atuou no grupo de teatro amador “I Guitti” (“os mambembes, os saltimbancos”), e graças à colega e amiga Lélia Abramo entrou em contato com o irmão dela Cláudio e o sobrinho Perseu Abramo, chefes da redação de O Estado de S. Paulo. Segundo outra versão, relatada por Luiz Weis, quem os apresentou aos Abramo do Estadão foi o professor de Filosofia Mário Leônidas Casanova. 

    De um total de 52 textos de Vlado publicados em O Estado de S. Paulo, 29 constituem reportagens sobre eventos políticos e culturais que ele acompanhou, além de artigos sobre questões de economia e trabalho as quais ele julgava necessário apresentar ao público. Esse primeiro conjunto de textos, de teor mais estritamente político, digamos, abrange o período de 4 de outubro de 1959 até 22 de novembro de 1960. Já os demais 23 textos detêm-se em cinema e foram estampados no período entre 9 de março de 1962 e 14 de dezembro de 1963, vários no “Suplemento Literário”. É significativo esse movimento da escrita de seus ensaios em direção a reflexões sobre a cultura, em especial o cinema, sobretudo a partir de abril de 1962, com a cobertura do Festival de Mar del Plata. 

    Estão entre os temas abordados no primeiro conjunto de artigos de Vlado no Estadão: pesquisas sobre o aperfeiçoamento da pesca; inauguração de Festa do Vinho em São Roque; inauguração do ginásio estadual nomeado D. Jenny Gomes, em homenagem à mãe do político Eduardo Gomes; o 1º Congresso Nacional de Brasileiros Naturalizados, em Brasília; a construção da barragem de Furnas e a da rodovia Brasília-Acre; a campanha eleitoral de Jânio Quadros em abril de 1960; a inauguração de Brasília; o combate às endemias na Ilha do Bananal; visitas do governador Carvalho Pinto a vários municípios de São Paulo; a vinda de Jean-Paul Sartre ao Brasil; uma caravana a Rondônia.

    O segundo conjunto de ensaios, voltados para as artes, inclui entrevistas com Alida Valli, Rita Hayworth e François Truffaut, além de reflexões e notícias sobre temas como o cinema brasileiro, filmes para crianças, o festival de Mar del Plata, o documentário social de Fernando Birri, a nova geração de cineastas argentinos, entre outros.

    Destacam-se aqui alguns artigos, no sentido de melhor apresentar as temáticas e as marcas estilísticas de Vladimir Herzog. “Combate às endemias na Ilha do Bananal”, de 4 de junho de 1960, é exemplar do estilo crítico e da perspectiva ética de Vlado, que reúne informações com precisão e clareza e, em sua seriedade, não hesita em defender as vítimas de iniquidades e em chamar as coisas pelos nomes, apontando certos indivíduos como “aproveitadores”. Ao referir a visita do ministro da Saúde, Mario Pinoti, à Ilha do Bananal, cujos habitantes padeciam de verminoses, o jornalista aproveita para chamar a atenção para a precariedade da existência da população local, da qual faziam parte algumas centenas de índios Carajás, carentes de assistência médica e alimentar. Denunciando os elevados índices de mortalidade infantil e a violação, por grupos de espertalhões, do patrimônio reservado ao Serviço de Proteção aos Índios, condena a luta entre gananciosos, interessados em especulações imobiliárias como fonte de enriquecimento rápido na Ilha do Bananal.

    No texto “No eixo rodoviário as Três Armas desfilaram”, publicado a 22 de abril de 1960, Herzog apreende as atitudes de diversas pessoas, deixando ver, com sutileza, a atração dos trabalhadores pelo poder e pelos poderosos junto com a desigualdade social que os aparta: a multidão rompe o cordão de isolamento mantido pela polícia, a fim de ficar mais perto do desfile ou de apertar a mão do presidente Juscelino Kubitschek e dos governadores no palanque; já o presidente quase não viu o desfile, ocupado em dar autógrafos e entrevistas; antes de terminar o evento, quando desfilaram dezenas de caminhões cheios de “candangos” que trabalharam na construção de Brasília vinte e quatro horas por dia, ele bocejou de tédio e saiu sem esperar o acender do fogo simbólico na pira. 

    De Jânio Quadros, em artigo de 12 de abril de 1960, Vlado tece uma descrição atenta à sua informalidade de modos: observa que ele recebera jornalistas gaúchos “descalço e de camisa aberta”.

    Em artigos de julho de 1960, Herzog acompanha viagens do governador Carvalho Pinto por municípios de São Paulo, o que lhe permite mostrar problemas da realidade social do estado e incentivar a continuidade de providências fundamentais, como o combate à tuberculose, à malária e à doença de Chagas, a revisão agrária, a abertura de novas salas de aula, a construção de estradas e pontes, o fornecimento de energia elétrica. Em “Repercussão da visita do governador ao litoral Sul do Estado”, informa que os habitantes dessa região, em grande parte caiçaras, mal ganhavam para a subsistência e tinham seus filhos no trabalho, não na escola.

    Dois fatos marcantes que contaram com a cobertura de Vlado são a visita de Jean-Paul Sartre ao Brasil e a inauguração de Brasília.

    Desde o título, “Sartre falou uma hora em tom didático”, o artigo que Vlado dedicou ao filósofo francês, publicado em 3 de setembro de 1960, evidencia traços que despertaram a admiração de Herzog: o jornalista destaca que as respostas de Sartre aos repórteres eram longas porém inteligíveis, como se constituíssem uma aula de um professor “consciente e atento, lúcido e honesto”. Como num texto literário, com a percepção subjetiva de um narrador, certo tom de anedota e uma pitada de ironia, Herzog descreve o personagem e a cena, deixando ver um descompasso entre o homem notável – sério e culto, mas também simples e paciente – e a atrapalhação e o despreparo de muitos repórteres que o abordavam. Eram trinta pessoas “aglomeradas” ao redor de uma mesa e um homem à cabeceira: “baixo, estrábico, nos dedos uma cigarrilha que se apaga instante a instante, a voz clara, sem inflexões exageradas, a gesticulação natural”. Vlado ressalta que Sartre não se importava com o acender dos flashes e os microfones quase enfiados em seu rosto e encarava firmemente seu interlocutor, logo fazendo da entrevista uma conversa, num ambiente calmo.

    Frases curtas de Herzog expressam o ritmo da entrevista posterior de Sartre a quatro rádio repórteres, que é tragicômico, afinal à dificuldade deles com a língua estrangeira se soma o uso desastrado dos gravadores: 

    Senta-se. Desta vez é preciso um intérprete, por meio dele é que fazem a primeira pergunta. Sobre a “teoria do existencialismo”. Sartre responde. O intérprete traduz. Notam que os gravadores não funcionam. Pausa. Consertam-se os gravadores. Repetem a pergunta. Sartre diz novamente que “não existe teoria do existencialismo”. Novamente, o intérprete traduz. Mais três questões são formuladas e o filósofo se levanta.

    O olhar de Herzog percebe a paciência também de Simone de Beauvoir: discreta, ela conversa com amigos enquanto aguarda o marido. Ao fim da matéria, a frase nominal “Risos” sintetiza o movimento de sua composição, marcada pelo contraste cômico entre a impassibilidade solícita de Sartre e os modos esbaforidos de repórteres: um deles, que chegara atrasado e lhe pedira, aos gritos, uma declaração, indagou se o filósofo acreditava no êxito da Revolução Cubana; porém, não funcionando o microfone, a resposta precisou ser repetida e traduzida, até sobrevir a conclusão do repórter, de que “a entrevista estava estragada”.

    Segundo Luiz Weis, em depoimento salientado por Paulo Markun e por Audálio Dantas, haver conhecido e acompanhado Jean-Paul Sartre atenuou o ceticismo de Vladimir Herzog e o levou ao comprometimento com a realidade brasileira: era impossível não incorporar a postura apaixonada com que o filósofo tratava de qualquer assunto, estímulo para o engajamento. 

    Vale informar que, em 1986, saiu Sartre no Brasil: a conferência de Araraquara, que está na terceira edição bilíngue, pela Editora Unesp (2019). Jorge Amado relata, em Navegação de cabotagem: apontamentos para um livro de memórias que jamais escreverei (Rio de Janeiro: 6 ed., Record, 2006), que Zélia e ele tiveram o privilégio de acompanhar Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre pelo Brasil, em especial no jantar “grandioso” em homenagem ao filósofo, oferecido pelo casal Júlio Mesquita Filho, diretor do Estadão, que contou com “a intelectualidade tupiniquim e os magnatas”; provavelmente lá esteve Vlado. Sartre, segundo Jorge Amado, ficou impressionado com as palavras de Júlio de Mesquita ao percorrerem os cafezais aos fundos da casa-grande: como um homem podia ser tão reacionário e, ao mesmo tempo, um poeta tão terno? O filósofo confessou ao escritor a felicidade de ter conhecido o fazendeiro, bem como a perturbação com o país:

    Esse Brasil é um país absurdo, surrealista tu dizes, mas isso não diz tudo, não explica nada, o Brasil não tem lógica, nunca se pode ter certeza. Quando se pensa ter entendido logo nos damos conta de que cometemos erro, de que o certo é diferente, um disparate.

    Já se pode falar de Brasília. De 23 de abril de 1960, o artigo “Um dia de vida da cidade nova”, desde o título, personifica a recém-nascida nova Capital brasileira. Herzog descreve, de maneira sensível e espirituosa, crítica, as várias dimensões – naturais, sociais, psicológicas – de contrastes que compuseram aquela festa. Sendo criança, Brasília brincou com fogo, “naturalmente de artifício”, iluminando de cores e barulho o seu céu. Porém, experienciou também solenidades sérias: a missa campal, os atos de instalação da Câmara, do Senado, do Congresso e dos Tribunais de instância superior. 

    Metonimicamente, Vlado identifica nas casacas, nas cartolas lustrosas e nos colarinhos engomados os poderosos, que, todavia, assistiam ao mesmo espetáculo que milhares de pessoas. Observa, ainda, que os adultos necessitavam fazerem-se crianças a fim de aproveitarem a grandiosidade pirotécnica e suportarem “a poeira, a confusão, a precariedade dos meios de comunicação, os discursos laudatórios, repletos de vazio retórico”.

    Os gestos do presidente da República merecem especial atenção no texto, que apreende uma gradação entre simpatia e tédio para com o público: “sorri muito de manhã, franze a testa quando o dia vai em meio e não se furta a um bocejo quando desce a noite”. Herzog registra para os leitores a expansividade de Juscelino, cuja intensidade transparece nos vários advérbios e locuções adverbiais e adjetivas empregados: “Brinca bastante o presidente. Concede autógrafos às centenas, aperta a mão de todos quantos conseguem chegar-lhe perto. Dá entrevistas ao microfone e responde de bom grado, dezenas de vezes, às mesmas perguntas”. E sublinha que essa expansividade era perigosa: o presidente chega a reclamar do cuidado excessivo dos guardas do Exército, que freavam a proximidade da multidão.  

    Embora tivesse assinalado a presença, na inauguração de Brasília, de poeira, confusão, precariedade e palavreado oco, o texto não deixa de conter uma aposta poética na nova capital do país, notando que a natureza, irmanada à simpatia do presidente, oferecia o brilho da alvorada, do arco-íris e das estrelas:

    Até a natureza, honestamente brincalhona, colabora com o chefe do Executivo: momentos antes da assinatura dos atos da fundação, o céu de Brasília apresentava-lhe uma alvorada luminosa. À tarde, o desfile militar realizou-se sob a moldura de um gigantesco arco-íris. O espetáculo pirotécnico da noite de 21 de abril rivalizou com o cintilar das estrelas.

    Contudo, sob o intertítulo “Rescaldo”, o balanço do dia seguinte do nascimento da cidade, ao constatar que não se falava mais nas ruas tanto francês, inglês, italiano nem espanhol, traz uma ironia quanto à presença maior de gringos do que de brasileiros: “Com um pouco de sorte, poderá encontrar-se um brasileiro”. Sucedem-se perguntas sobre o futuro de Brasília, sobressaindo a personificação da capital como uma criança, forma criativamente crítica que permite a Herzog denunciar a sujeira, sinalizar a possibilidade de beleza e alertar para que se cuide da saúde do país:

    Brasília tem agora um dia de vida. Amanhã terá dois. Os que viram seu nascimento fazem conjecturas sobre o futuro da criança: tem boa saúde? Parece-se mais com o pai ou com a mãe? Será bem-sucedida na vida? Demorará muito a ter coqueluche?

    Estas e outras perguntas, fazem-se a si mesmos e entre si os que estão ou estiveram em Brasília. Numa coisa, porém, são concordes: a criança é linda. Ainda é um pouco suja, mas, convenhamos, só tem um dia…

    Se nos artigos em que acompanhou efemérides políticas e culturais, como a inauguração de Brasília e a visita de Sartre, Vlado leva o leitor a prestar atenção nas personalidades de políticos e intelectuais, nas atitudes de poderosos e da multidão, na atmosfera climática e social, os ensaios sobre cinema ressaltam o papel da arte para a formação estética de consciência crítica e revelam algumas particularidades de atores e diretores, não só artísticas como pessoais, quando o jornalista os conheceu. Em “Birri de Santa Fé”, publicado a 16 de março de 1963, Vlado expõe toda a sua admiração pela concepção cinematográfica de Fernando Birri, para quem “o cinema podia de algum modo contribuir na luta contra a injustiça social”. Exalta Tire dié, primeira obra de arte cinematográfica sul-americana, a qual, ao dar voz às crianças da favela que pediam esmolas aos passageiros do trem (“atire dinheiro”), exercia sua responsabilidade para com o público, sendo um documentário útil à coletividade.

    De 9 de março de 1962, “‘Gilda’ sambou no Portela e falou sobre Orson Welles” mostra como Rita Hayworth se integrou aos Acadêmicos de Portela: a princípio admirou os passistas e, “marcando com o corpo o ritmo quente”, dançou sozinha, enquanto o pessoal estava intimidado; mas logo alguns se destacaram do cordão e, ensinando a ela em câmara lenta o movimento, incluíram-na na turma. Rita falou de Orson Welles, seu ex-marido, elogiando Cidadão Kane e seu talento de diretor, dono de “fecundíssima imaginação”.

    Atento às novas correntes do pensamento cinematográfico europeu, à revisão crítica do neorrealismo, em “Linhas retas & tortas”, publicado no “Suplemento Literário” a 14 de dezembro de 1963, analisa O bandido Giuliano e Quatro dias de rebelião, salientando que seus diretores, respectivamente Francesco Rosi e Nanni Loy, priorizavam a comunicabilidade com o público, cientes de que cinema não é arte narcisista.

    “Uma questão de fome” é, desde o incisivo título, um texto fundamental de Herzog, publicado no “Suplemento Literário” a 15 de dezembro de 1962. Em sua preocupação social e humana com a formação das pessoas, ele ressalta ser o cinema assunto de todos e, portanto, da criança: além de sua dimensão lúdica, o cinema transmite ideias e valores éticos, estéticos, psicológicos, necessários para o paulatino “amadurecimento dos juízos sociopolíticos do futuro adulto”.

    Lamentando que no Brasil nada se faça de cinema para a infância e para a juventude e que se reduzam as possibilidades de manifestação de uma arte por se privilegiar a lógica dos negócios, defende que o Estado deveria cuidar do cinema infantojuvenil e educativo. Vlado chama a atenção para o fato de que a quase totalidade das crianças do meio rural jamais viu um filme e sequer pode estudar, sendo, pois, o cinema um problema social, vinculado ao desenvolvimento cultural do país. Daí sua ênfase quanto à necessidade de matar a fome das crianças, em vários sentidos: a tarefa é oferecer a arte, inclusive o cinema, ou seja, educação às crianças.

     Por fim, observando a inexistência de textos de Herzog no Estadão em 1961 e considerando a nota “Os trabalhos de cobertura do Estado”, publicada na edição de 1º de fevereiro desse ano – a respeito da viagem de parte da equipe de reportagem, inclusive de Vlado, de São Paulo para Brasília, a fim de cobrir então a posse do presidente Jânio Quadros –, uma pesquisa resultou na inclusão, no acervo, de textos de tal data sobre esse fato. Como essa nota aludia à reportagem realizada a 1º de abril de 1960, quando da inauguração de Brasília – da qual Herzog participou –, abriu-se a possibilidade de inferir a presença dele igualmente nessa série de artigos sobre a posse de Jânio. Uma análise estilística desses textos propicia reencontrar não só escolhas lexicais e sintáticas e construções conceituais e imagéticas feitas por Vlado em artigos como, por exemplo, o do desfile das Forças Armadas e o da inauguração de Brasília, como também conhecer melhor um fato histórico do país, de forma a constituir um olhar crítico a respeito de circunstâncias envolvendo governantes, jornalistas, pessoas da elite econômica e do povo. 

    Nos textos de 1º de fevereiro de 1961, a riqueza de detalhes na descrição dos gestos de Jânio Quadros ao tomar posse, flagrando o sorriso e a seriedade, e demonstrando certo distanciamento em relação à pompa e a aspectos pitorescos da solenidade, lembra os artigos de Vlado aqui analisados:

    O novo presidente recebeu uma grande pasta de cor verde, que continha o diploma em pergaminho. Retirou o papel e por alguns minutos o exibiu ao público e especialmente aos fotógrafos, que ininterruptamente pediam mais poses.

    O sorriso do sr. Jânio Quadros, ao exibir o diploma, foi tão espontâneo quanto o ar sério e compenetrado que assumiu ao iniciar seu discurso de agradecimento e de elogio à Justiça Eleitoral.

    Com certo tom literário, o texto sublinha a presença do sol na solenidade da manhã, bem como o bom humor e a calma do novo presidente da República diante da aglomeração de fotógrafos e repórteres. E logo vem a sutileza crítica, ao registrar que, embora o plenário fosse destinado a pouco mais de mil pessoas, 3500 haviam conseguido entrar. Vale ler esta passagem, que flagra a briga entre políticos por espaço na cerimônia de posse, inclusive com a usurpação de lugares de embaixadores, desvelando a barbárie dos poderosos e despertando o riso ante a cena da mulher que perdeu seu chapéu cor-de-rosa:

    Embaixadores tiveram ocupados os lugares que lhes haviam sido reservados, e inclusive alguns deputados se encarregavam de arrancar os cartões de identificação das poltronas. Houve um deputado federal que chegou a empurrar violentamente um senador, lutando para chegar até a sala da presidência da Câmara, onde Jânio Quadros e João Goulart passaram alguns instantes.

    A Mesa da Câmara fez o possível para que os fotógrafos e os repórteres se ajeitassem, mas não conseguiu impedir que a movimentação do pessoal da imprensa prejudicasse a visão das personalidades sentadas nas primeiras filas do plenário. Uma senhora perdeu o chapéu cor-de-rosa, ao tentar passar à frente de um grupo.

    Também com traços próprios ao olhar de Herzog, outro texto sobre a posse do novo presidente relata que um lamaçal interrompeu por duas horas uma caravana a caminho de Brasília. Ressalta a existência de longas filas de ônibus, automóveis, caminhões que rumavam para o evento na Capital e denuncia que os restaurantes da beira da estrada aproveitaram para cobrar preços extorsivos.

    Em especial, o texto “Despediu-se de Brasília o ex-presidente da República”, como o da inauguração da capital, acompanha as reações recíprocas dos gestos de Juscelino Kubitschek e da população, incluindo também o desejo do povo por autógrafos, o zelo da polícia para com o político, e a participação da natureza no evento por meio da chuva.

    Sobressai, portanto, a forma como, em sua preocupação contra injustiças, por meio de um estilo claro e envolvente, que apresenta dados objetivos e flagra gestos de pessoas e imagens poéticas, Vladimir Herzog articula em seus artigos a pesquisa embasada, a observação dos fatos e a comunicabilidade no sentido de ser útil para a formação da consciência social e estética, cultural do público. Em síntese, pensando no balanço entre o interesse de Vlado por política, economia, sociologia e arte, vale ler em seus textos a importância das pesquisas sobre a pesca como combate às contradições econômicas entre pescador, órgão cooperativista e consumidor: são questões que certamente pesaram na criação de Marimbás, documentário a respeito dos homens que sobrevivem da pesca, sem serem pescadores.

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