Acervo Vladimir Herzog
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    As fotografias do Acervo Vladimir Herzog podem ser vislumbradas em duas dimensões básicas. Na primeira delas, menos numerosa em quantidade de registros, Vlado aparece como personagem dos eventos retratados. Aí está ele bebê ou criança pequena na sua Iugoslávia natal – imagens que sobreviveram a uma guerra e a uma perseguição genocida. Nos braços dos pais ou integrado em fotos familiares, observa-se o menino crescendo e uma certa aura de felicidade doméstica e de ternura nos sorrisos e semblantes, sobretudo da mãe e de seu único filho. Em seguida, quando da fuga e do exílio, os retratos furtam-se de espelhar os tempos lúgubres, sobrando tempo até para poses com galinhas. Na adolescência, já no Brasil, Vlado quase desaparece, e vamos encontrá-lo uma vez na praia, outra num piquenique, ou então com um passarinho nas mãos: e não muito mais que isso. Mas ele ressurgirá em grande estilo aos dezenove anos, ao lado do cartaz de uma das peças teatrais em que atuou.

    Daí por diante, temos Herzog em seus ambientes de trabalho. Durante o período em que foi jornalista de O Estado de S. Paulo, uma fotografia o surpreende em pleno exercício profissional, entrevistando a atriz Alida Valli. Nas coberturas jornalísticas de que participou, posa ainda na recém-construída Brasília, ou, em Buenos Aires, cobrindo o Festival de Cinema de Mar del Plata, e mesmo num lugar pouco provável como uma aldeia indígena. Uma vez na Inglaterra, vemo-lo no estúdio, ao lado de Fernando Pacheco Jordão, ou numa mesa conversando com a viúva de Bertolt Brecht, Helene Weigel. São da TV Cultura as suas imagens mais tardias, seja participando do programa Homens de Imprensa, seja fitando-nos sério (e algo antipaticamente) da sua mesa de trabalho. E, marginalmente, misto de hobby e ocupação alternativa, lá está Vlado em meio a diretores e profissionais de cinema, ora dialogando com eles, ora colaborando nos filmes produzidos. Ou, mais revelador: fazendo pesquisa de campo para o seu projeto de documentário sobre Antônio Conselheiro.

    O último e mais marcante grupo de fotografias onde Vlado se deixou flagrar foi aquele em que compartilhou o clique com mulher e filhos. Podemos então ver suas expressões no dia do casamento, em imagens com Clarice grávida e nas fotos londrinas com seu primeiro filho, Ivo. As coisas ganham vigor, no entanto, em 15 de maio de 1967, quando Vlado compra, “afinal”, uma máquina fotográfica, durante a viagem de 31 dias pela Europa (ver Vlado Herzog: o que faltava contar, de Trudi Landau, p. 97). Sua assiduidade nas fotografias não crescerá como desejaríamos, mas, a partir desse instante, nessa viagem e para o resto da vida, será possível acompanhá-lo, pontual e discretamente (quase arredio, poderia ser dito), participando de passeios, cenas privadas e momentos de lazer. Mas sua vocação era estar por trás da câmera, o que nos obriga a falarmos da segunda dimensão desse acervo fotográfico.

    Vladimir Herzog tirou e conservou mais de mil imagens em formato de slides numa época em que fotografar não era tão trivial como nos dias de hoje, nem revelar as fotografias. Na aludida viagem de maio de 1967, as visitas a diversas cidades da França, Suíça, Itália e Iugoslávia foram amplamente documentadas por sua lente. Desde então, seus objetivos são facilmente mapeáveis: as edificações, monumentos e lugares turísticos, naturalmente; as cidadezinhas e pessoas de sua infância, em Magliano di Tenna, Fonzaso, Banja Luka e Osijek, visto que essa viagem foi também uma espécie de acerto de contas com o passado; mas, principalmente, a captura implacável da mulher amada, Clarice – personagem quase obrigatório no primeiro plano ou no entorno de cada paisagem ou ponto turístico. De volta a Londres, o procedimento se repete, e Ivo e André passam a repartir esse protagonismo. Seguimos assim o crescimento dos dois e as interações familiares nos passeios que o grupo, muitas vezes acompanhado dos avôs e avós, dá pela Inglaterra, pelo País de Gales e até no continente. Mas em viagens anuais que descortinamos pelas imagens (e passaportes) – Argentina, Chile e Peru (maio de 1972), Europa (outubro de 1973) e Estados Unidos (maio de 1975) –, Clarice volta a reinar sozinha, juntamente com um amplo registro da natureza e de paisagens variadas.

    Se é inegável ter existido em Vladimir Herzog esse prazer ordinário de perenizar rostos e poses de esposa e filhos, não podemos deixar de notar igualmente que a prática fotográfica de Vlado não tem nada de ordinário. Há nela não só uma cuidadosa atenção ao detalhe, mas também uma busca frequente de ângulos e enquadramentos invulgares, além de uma constante atração por aquilo que é belo: os animais do Zoológico de Londres, um esquilo que corre da árvore para o chão nos Estados Unidos, uma flor perdida num campo inglês, um cacto florido no sertão da Bahia, crianças dançando numa roda. Mas onde a fotografia de Vlado mais se irmanará com a sua consciência e responsabilidade social, tão salientes nas suas práticas jornalística e cinematográfica, será nas fotos que fez durante as viagens ao Peru e à região de Canudos. Em acréscimo às imagens que exibem a imponência de Machu Picchu e a beleza paisagística do Açude Cocorobó, a câmera de Vlado irá trazer não menos uma apreensão da realidade humana dessas zonas interioranas – os camponeses peruanos, os sertanejos nordestinos – e seu modo de vida predominantemente difícil e precário: muitas faces anônimas que desconhecemos e que saltam das fotografias reclamando alguma atenção ou reparação.

    As fotografias foram organizadas num número bastante sintético de agrupamentos, de acordo com seu conteúdo: a presença de Vlado, a participação de familiares ou amigos, as atividades profissionais, a aparição de paisagens ou pontos turísticos etc. Em outras partes do acervo, de acordo com a forma de navegação escolhida, essas imagens estão agrupadas segundo o evento ou atividade que lhes deram origem (viagens, passeios, coberturas jornalísticas etc.). Frutos, ao mesmo tempo, de uma vivência e de um esforço de apropriação do real, Vlado, inadvertidamente, acabou por nos deixar um volume importantíssimo de documentos visuais que não somente ajudam a reconstituir a sua própria vida, como de um tempo e dos lugares por onde passou.


    LANDAU, Trudi. Vlado Herzog: o que faltava contar. Petrópolis: Vozes, 1986.

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    Família, amigos e ambiente doméstico
    Fotografias com Vladimir Herzog
    Pesquisa e documentação
    Viagens e passeios
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