Acervo Vladimir Herzog
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    A ligação de Vladimir Herzog com a Cinemateca Brasileira foi intensa, malgrado não ter tido vínculo formal com a instituição nem deixado abundantes rastros materiais das atividades em que se envolveu. Não é possível determinar com exatidão, por exemplo, a data ou as circunstâncias em que ele se introduz na Cinemateca, nem elencar uma lista mínima de projetos de que efetivamente participou. O que parece poder inferir-se da cronologia de vida de Herzog e dos depoimentos de amigos é que o seu aparecimento na entidade acontece no início da década de 1960, e que logo ele se torna personagem com importante atuação nos eventos de divulgação promovidos pela casa, principalmente o apoio a cineclubes e a organização de mostras e cursos.

    A indicação do que talvez tenha sido um dos primeiros trabalhos de Vladimir Herzog na Cinemateca Brasileira é fornecida por ele próprio. No final do artigo "Carta aos cariocas", publicado no Jornal do Commercio, em 17 de fevereiro de 1963, Herzog se confere o título de "co-organizador do Seminário do Filme Documentário do grupo dos Jovens do Teatro de Arena de São Paulo", evento que ocorrera em 1962. Mais tarde, dois outros momentos marcam essa condição de Vladimir Herzog como membro não oficial da Cinemateca Brasileira. Primeiro, sua participação no Seminário Arne Sucksdorff, entre o final de 1962 e o início de 1963. Segundo Maurice Capovilla, Herzog era o único do grupo com disponibilidade para viajar ao Rio de Janeiro, e Paulo Emílio Salles Gomes teria obtido uma bolsa de estudos para que ele pudesse frequentar o curso (ver entrevista cedida ao CPDOC). A função de correspondente se evidencia no fato de o caderno de notas e a prova escrita que Vlado redigiu no curso terem sido preservados na Cinemateca até os dias de hoje. Do Rio de Janeiro, Vladimir Herzog envia cartas a Jean-Claude Bernardet, dando notícias do andamento dos trabalhos com Marimbás e comentando assuntos correntes na instituição, como a realização de um filme sobre futebol (provavelmente, Subterrâneos do futebol), a suposta aposentadoria de Paulo Emílio Salles Gomes e os planos de inaugurar um curso de cinema na Universidade de Brasília.

    Em seguida, igualmente sob o patrocínio da Cinemateca e junto com Maurice Capovilla, Vladimir Herzog ruma para Santa Fé, na Argentina, em 1963, a fim de estagiar com Fernando Birri. Logo depois, quando Birri deixa a Argentina e vem ao Brasil, Herzog é um dos cicerones do cineasta dentro do grupo da Cinemateca que o recebe. Em entrevista de 2006, Birri conta que a sua viagem foi incentivada por Vlado e, uma vez em São Paulo, “nos organizaram uma palestra na cinemateca (sic), onde estava Paulo Emílio [Salles Gomes]. Quem organiza é Rudá de Andrade, e junto com ele está Vlado e também Sérgio Muniz, está toda a turma com a qual, quando termina a palestra nesta mesma noite, saímos todos com entusiasmo único, falando em fazer muitos filmes, e isso e aquilo [...]" (ver artigo de Mariluce Moura Mariluce na Revista FAPESP, "Fernando Birri: um construtor de utopias").

    Depoimentos de amigos de Vladimir Herzog adicionam partes faltantes a este quebra-cabeças. Nilce Tranjan afirma que ele “era muito ligado à Cinemateca, foi ele que me levou pra lá, inclusive. Ele não trabalhava na Cinemateca, não era contratado pela Cinemateca, mas ele era uma pessoa assim, prata da casa. [...] ele estava sempre colaborando com alguém no roteiro ou dando uma ideia”. E, mais à frente: “Ele estava o tempo todo por ali. O tempo todo ajudando, criando, fazendo críticas dos filmes”. Maurice Capovilla, por sua vez, lembra que, na época em que frequentava a Cinemateca, o grupo que encontrava era “o Vladimir [Herzog], era o Gustavo Dahl, era o Jean-Claude [Bernardet], era eu e mais alguns. Esse era o grupo que frequentava mais o Cineclube” [ver entrevista cedida ao CPDOC].

    Por fim, à falta de registros mais profusos, foi possível localizar o nome de Vladimir Herzog em dois documentos internos da Cinemateca Brasileira: uma ata de reunião de 16 de junho de 1963, em que se debateu a divulgação do cinema brasileiro na China, traz o endereço de Herzog na última página, relacionando-o como um contato disponível; e há um programa do curso Cinema, escola e cultura, a ser promovido pela Cinemateca Brasileira e pelo Serviço de Relações Públicas do Departamento da Educação no início de 1964, em que é atribuída a Vlado a apresentação do tema "O fotodocumentário".

    Vladimir Herzog viveu com a Cinemateca Brasileira uma relação de simbiose, colaborando ativamente com uma instituição que dependia muito, à época, do apoio de voluntários e apaixonados por cinema para poder impulsionar os seus programas de extroversão. Ao mesmo tempo, o convívio com grandes nomes do cinema brasileiro – Paulo Emílio Salles Gomes, Rudá de Andrade, Jean-Claude Bernardet, Maurice Capovilla, Gustavo Dahl, Roberto Santos etc. –, o contato com os filmes, os debates promovidos e as oportunidades de cursos e estágios ajudaram a consolidar o conhecimento teórico e prático de Vlado sobre a matéria, moldando o realizador e crítico de cinema que ele se tornou.


    MOURA, Mariluce. Fernando Birri: um construtor de utopias. Revista Fapesp, São Paulo, n. 127, set. 2006. Disponível em https://revistapesquisa.fapesp.br/2006/09/01/um-construtor-de-utopias/. Acesso em 20 mar. 2020.

    CAPOVILLA, Maurice. Maurice Capovilla (depoimento, 2013). Rio de Janeiro; CPDOC, 2013. Disponível em https://cpdoc.fgv.br/memoria-documentario/maurice-capovilla. Acesso em 20 mar. 2020.

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